Saiba como é a jornada de pessoas que invadiram Sento Sé para tentar a sorte na nova mina descoberta no topo de uma serra cercada pelo sertão baiano.
A esperança é uma pedra roxa que sai dos mais de 200 buracos escavados desde a descoberta de uma jazida de ametista no povoado de Quixaba, zona rural de Sento Sé. Quarenta dias após o acaso revelar a fortuna encravada na Serra dos Brejinhos, as covas, algumas já com 15 metros de profundidade, continuam a se multiplicar, assim como os milhares de garimpeiros profissionais, amadores e iniciantes atraídos pela expectativa de ganhar a vida no sertão baiano banhado pelas águas do São Francisco.
Transformar esperança em algo além do sonho, no entanto, demanda disposição física e força de vontade para atravessar as barreiras impostas na aridez da caatinga. Chegar é a primeira delas. A partir de Juazeiro, via BA-210, são 100 quilômetros de asfalto, outros 50 de terra e mais oito em estrada coberta de cascalho e de um material semelhante ao caulim, que mais parece talco e é encontrado em todos os acessos para a mina da Quixaba, situada na borda sul do Lago de Sobradinho.
Na ‘Serra Pelada da Bahia’, só a água é tão cobiçada quanto as ametistas
Quando os veículos passam pelo último trecho, deixam no ar uma névoa que invade os pulmões de quem se arrisca a encará-la a pé ou de moto sem máscara. E são milhares os que enfrentam diariamente a peregrinação iniciada em 18 de abril. Naquele dia, um caçador da região se deparou acidentalmente com a jazida de ametistas no topo dos Brejinhos, parte do conjunto de serras que se entende por mais da metade do município de Sento Sé, terceiro maior da Bahia em extensão territorial.
Dali em diante, aproximadamente sete mil pessoas se deslocaram para o novo garimpo, segundo estimativas da prefeitura de Sento Sé. Parte chega ao nascer do sol e vai embora assim que finda a tarde. O restante ou dorme junto aos “serviços”, como são chamados os buracos, ou se espreme em tendas improvisadas de lona e troncos de árvores derrubadas em volta dos dois acampamentos que servem de base para a mina e de estacionamento para veículos que transportam trabalhadores, negociantes de pedras e mantimentos.
Na odisseia da ametista, há garimpeiros de todas as regiões do Brasil. A maioria, de centros com tradição no comércio de pedras preciosas como esmeralda, rutilo, águas-marinhas, turmalinas, topázios e dezenas de gemas com alto valor no mercado de joias. Caso dos municípios baianos de Campo Formoso, Pindobaçu, Caetité, Jussara e Novo Horizonte. Além, é claro, da própria Sento Sé, que enfrenta a maior crise econômica de sua história recente.
Forasteiros
Lado a lado estão caravanas de mineiros de Teófilo Otoni e Governador Valadares, igualmente numerosos na Quixaba. Goiás, Pará, Paraíba, São Paulo, Paraná, Ceará, Rio de Janeiro e Pernambuco também estão entre os estados mais encontrados nas placas dos carros, picapes e motocicletas que lotam o pé da serra, ponto de partida para alcançar o topo da mina. Antes, é preciso vencer 1.250 metros de subida íngreme, entrecortada por blocos de pedras que se soltam no movimento das ferramentas usadas nas escavações – picaretas, pás, enxadas, marretas, ponteiras, martelos e alavancas.
Os serviços começam a aparecer logo nos primeiros metros, junto ao formigueiro humano que sobe e desce sem parar em busca da pedra, sob um calor que ultrapassa facilmente os 40 graus. Aos 33 anos, João Reis, faz parte dos que encontraram a parte mais alta da escarpa já ocupada. O jeito foi tentar a sorte onde dava. “A realidade é que tem pedra aqui, muita, mas não dá para todo mundo. O negócio é se esforçar, não desistir”, afirma Reis, que chegou na terça-feira passada, depois de uma temporada de seis meses na Serra da Carnaúba, em Pindobaçu, conhecida como a Cidade das Esmeraldas.
Pouco acima, enfiado em uma cova de oito metros de profundidade, Genildo dos Santos, 45, trabalha sem parar na caçada por um veio de ametista, depois de uma aventura que começou no último dia 12, quando partiu do Rio de Janeiro para Sento Sé a bordo de uma motocicleta de 150 cilindradas. “O negócio tá andando. Já deu para tirar um dinheiro bom. Só que é dividido pra cinco”, diz, enquanto aponta para os quatro colegas, todos iniciantes, que dão suporte para o trabalho de Genildo, único garimpeiro profissional do grupo.
Nos serviços da mina, os auxiliares têm como tarefa puxar baldes de material retirado dos buracos, em geral, com até dois metros de diâmetro. Marretar pedras, transportar ferramentas, buscar comida nos acampamentos, cozinhar em fogueiras feitas com galhos e vigiar buracos também fazem parte da rotina de quem não lida diretamente com a extração de ametista.
Garimpeiras
As mulheres, que formam um contingente numeroso na Serra dos Brejinhos, são escaladas para funções que exigem concentração e paciência. A mais comum é quijilar – no jargão do garimpo, ato de separar pedras de valor da montoeira de entulhos. “Mas a gente cava, tira terra, cuida do barraco, vai lá embaixo comprar o que comer”, acrescenta Cristina Viera de Jesus.
Junto com as amigas Lucilene Oliveira da Silva e Nilza Soares, Cristina trocou a esmeralda de Campo Formoso pela aventura na Quixaba. “A vida é dura aqui, mas Deus há de compensar. Tenho fé de que a gente vai achar um bom corte de ametista para melhorar de condição, comprar uma casinha mais aprumada”, emenda, com os olhos grudados no Velho Chico que se avista do topo da mina regada pelo suor da espera.
Galego, um pinguço que virou herói
Há duas versões para a descoberta da jazida de ametista que alimenta sonhos de riqueza. Em todas elas, o personagem central é um morador de Sento Sé que perambulava pelos botecos da cidade em busca de alguém para lhe pagar bebida ou vender fiado. Antes tratado como pinguço indesejado, Galego de Edvaldo, também conhecido como Burrão, virou um tipo de herói entre os moradores pobres da cidade.
Na tentativa de desentocar a presa, acabaram se deparando com o veio de ametista. Filho de ex-garimpeiro, Galego reconheceu o tesouro escondido sob a superfície rochosa. De imediato, começou a retirar os primeiros lotes com o pai, Evaldo dos Santos, e o amigo Valdeno. Tudo em silêncio, dizem os narradores do “causo”.Segundo a versão mais corrente, Galego tinha como hábito caçar na Serra dos Brejinhos, prática comum na região, embora ilegal. Na manhã de 18 de abril, ele e um amigo, de prenome Valdeno, perseguiam um tatu, quando o bicho se enfiou no buraco.
Dias depois, teria pedido bebida fiado em uma bodega, mas o dono recusou, alegando que ele nunca pagava. Foi então que Galego tirou um saco cheio de pedras para mostrar que, agora, teria condições de honrar a palavra. A notícia correu a cidade feito o tatu com medo dos caçadores. Em pouco tempo, já havia alcançado as praças tradicionais do garimpo.
Em conversa com o CORREIO no topo da serra, onde foi aberto o primeiro serviço de extração de ametista, Galego tem outra versão, na qual o tatu não faz parte. Nem de caçar gosta, ressalta, embora o lombo de catitu estendido para a salga na cabana dele deixe dúvidas. O herói de Sento Sé atribui a descoberta a Deus.
“Pedia que Ele desse um sinal e mostrasse pra mim um jeito de ajudar meus irmãos que passam fome e não têm dinheiro pra comer. Deus me deu essa luz e pude dividir a riqueza que está aqui com todos eles”, afirma Galego. Mas por lá pouco importa a versão verdadeira. Como diz José Lino de Oliveira, o Zé Macambira, ex-garimpeiro de 79 anos que virou vendedor de pedras, “O Senhor tinha algum plano através dele. Galego está salvando a vida de muita gente”.(Correio 24 horas)