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Novo traçado reduz área de preservação ambiental na Chapada Diamantina em 70%

É a maior disputa fundiária da história recente do Vale do Capão; CORREIO denunciou grilagem na região

A área de preservação ambiental conhecida como Parque Municipal do Boqueirão, no Vale Caeté-Açu, no Capão, distrito de Palmeiras, na Chapada Diamantina, poderá ter quase 70% do seu tamanho cortado. O espaço protagoniza a maior disputa recente da história da região, devido à ocupação de acusados de grilagem nos limites do Parque – que tem, hoje, 153 hectares, e pode ficar com 52. Uma empresa de consultoria ambiental já fez o novo traçado e entregou à prefeitura.

O receio de nativos e moradores é de que tenha sido aproveitado o contexto da pandemia de covid-19 para solicitar uma recontagem do local, transformado em parque por meio do decreto nº 224, de 2015, para atender aos interesses de posseiros. No levantamento recente, o Boqueirão perde o equivalente a 100 campos de futebol.

O CORREIO denunciou, em setembro do ano passado, um nativo, identificado como José Mariano Batista de Souza, acusado de cercar a área pública para comprovar posse, ameaçar a vizinhança – chegou a cortar o abastecimento de água em uma comunidade chamada Campina -, promover incêndio, ser multado por crime ambiental e não comprovar, efetivamente, ser dono da propriedade dentro do Boqueirão. Ele mora em uma casa à oeste do Parque.

Diminui ou não? 
O novo cálculo começou a ser feito há menos de um mês. No dia 19 de junho, foi concluído e entregue à prefeitura. A empresa Mais Ambiente confirmou, oficialmente, ter sido contratada pela gestão municipal. Mas, disse que a área reduzida no projeto fazia parte, na verdade, do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Daí a necessidade de um corte.

Isso não corresponde aos números especificados nos mapas. Um funcionário do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pelo Parque Nacional, disse, sob anonimato, que a questão foi resolvida ano passado.

Tivemos acesso à imagem que mostra a possível nova configuração do parque. O Ministério Público (MP) foi acionado. Até a publicação desta reportagem, não atendeu.

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (Sedesp), gestora do Parque do Boqueirão, negou, por meio do secretário Jenivaldo Vieira dos Santos, ter pedido a recontagem .

O representante da empresa contratada, Fábio Oliveira, afirmou ter contato com o prefeito Ricardo Oliveira Guimarães (PSD) sobre o pedido. O gestor respondeu, sem especificações sobre o possível corte: “A parte técnica ainda está em estudo, em levantamento. Então, não podemos te dar uma resposta concreta se vai ou não mudar. Depende de uma série de coisas”. E pediu que entrássemos, novamente, em contato com Jenivaldo.

Assim fizemos, e o secretário negou, mais uma vez, ter conhecimento da análise. Os nativos, anonimamente, relataram a existência de cercados no parque, uma possível evidência de tentativa de loteamento e venda.

Acusados de grilagem “não concordavam” com medição

A solicitação de um novo estudo topográfico, falaram fontes envolvidas no caso, foi pressionada pelos posseiros, inconformados com a legalidade do decreto que transformou à área vizinha à maior nascente do Riachinho em espaço preservado. Ninguém respondeu, ao certo, quanto de área foi vendida e quanto está ocupada.

Os posseiros “não concordavam” com a primeira medição feita e teriam pedido que a empresa contratada para o segundo trabalho não fosse a mesma. A prefeitura nega.

A tentativa é invalidar o decreto, suspeitam as fontes ouvidas. Isso poderia ser feito a partir da elaboração e aprovação de um Projeto de Lei (PL). Judicialmente, a tentativa de derrubar o decreto já havia sido feita.

Em fevereiro de 2017, quase dois anos depois da transformação da área em espaço de proteção ambiental, Adaíldes Neves, prima de Mariano, e seu marido, Afonso, moveram processo na Vara de Iraquara, também na Chapada, para questionar o decreto.

Ela diz ser dona de uma área de 56 hectares que foi transformada em parque. O primo, Mariano, doou a terra um mês antes do decreto municipal e afirmou se tratar de uma herança da sua “falecida mãe”.

A mãe, no entanto – como mostramos na última reportagem – segue viva, responde por Clarinda e reside nos Campos, comunidade vizinha. Em nenhum dos casos, houve documento para comprovar posse.

Na última semana, ligamos para o advogado de Mariano, Alexandro Souza. Ao ouvir o assunto da nova matéria, ele disse que o cliente não solicitou nova medição, mas que “o município  reconhece que, de fato, existiam posseiros na área onde o parque foi criado”.

“Nossa visão é que foi um parque criado para favorecer uma especulação imobiliária para ricos e brancos que querem criar um Capão elitizado. Se alguém pode ter pedido pode ter sido Dona Adaildes, que é dona dos hectares de terra”, respondeu.

A defesa de Adaíldes foi acionada por ligação e mensagem, mas não atendeu até o fechamento da publicação.

Desde 2015, quando surgiram as primeiras denúncias de ocupação do Boqueirão, o Parque é alvo de operações. No dia 19 de abril do ano passado, a construção irregular de uma casa dentro da área pública foi embargada, em uma ação entre a prefeitura, o ICMBio, a Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental e a Guarda Municipal.

 

Operação impediu obra de casa que começava a ser construída no Boqueirão (Foto: Divulgação)

Há suspeita de que a venda de lotes é voltada para turistas em trilhas para Lençóis, Morrão, Águas Claras, Barro Branco e Guiné, dentro do Boqueirão. O advogado de Mariano nega as acusações.

Prazos de regularização não foram cumpridos

No Coreto do Vale do Capão, nativos, moradores, o promotor Augusto César Matos e representantes da prefeitura discutiram a situação do Parque Municipal do Boqueirão, no dia 6 de junho de 2019. Ficou, naquela ocasião, firmado o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com sete compromissos estabelecidos. A regularização fundiária – com expulsão de posseiros e grileiros -, prevista para os 12 meses seguintes, não aconteceu.

A pandemia é usada como justificativa para o descumprimento dos prazos. As medidas de restrição da Chapada começaram em março. Havia prazos para os três, quatro e seis meses depois de junho, a contar da celebração do TAC.

“Pela questão da pandemia está tudo parado. Uma coisa implica a outra”, defendeu o secretário da Sedesp.

Em setembro passado, o advogado Dival Gama foi contratado pela prefeitura para acompanhar as questões judiciais da Sedesp. Inclusive, o cumprimento do TAC e dos imbróglios em torno do Boqueirão. Ele afirmou ter pedido ao MP que enviasse informações sobre quantos posseiros há na região – para desapropriação ou indenização.

“Mas não tive resposta. As duas últimas reuniões que fizemos foram de ajustes de prazos, mas posso te dizer que estamos caminhando em relação a isso”, disse.

A reportagem tentou contato com o promotor que acompanha o caso, via e-mail, mensagem e ligação. Sem retorno.

Pouco menos de duas semanas antes da eclosão da pandemia na Bahia, foi solicitado um novo levantamento no Boqueirão para tentar descobrir quantas pessoas ocupam o local e quantas dizem ser donas de terra na região. Não houve definições. “Nossa discussão nem era, nunca foi, diminuir, mas aumentar a área. Se pudesse aumentar, a gente aumentaria”, complementou o advogado.

O município de Palmeiras possui o maior número de parques da Chapada. São quatro: além do Boqueirão, Parque do Pai Inácio, do Riachinho e Monumento da Carrapeta.  Com informações do Correio.

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