“Fica esperto, contra o fogo não pode ter afobação”, aconselha Deja, o “frente” de um grupo de brigadistas voluntários, para um adolescente em seu primeiro combate contra o dragão, como alguns chamam os incêndios de grandes proporções – muitos causados por ações criminosas – que devoram a fauna, a flora e os rios da Chapada Diamantina, na Bahia.
O grupo liderado por Deja é formado por gente como ele, moradores da região que arriscam a própria vida para deter o avanço descontrolado das chamas.
Antes mesmo que as instâncias governamentais adotassem as políticas públicas necessárias, esses brigadistas se lançam a apartar a briga do fogo contra a terra com técnicas criadas instintivamente e sem equipamentos adequados. Sobretudo nos tempos de seca, se enfiam nas matas por dias e dias, sem descanso.
É essa luta voluntária, protagonizada por heróis até então anônimos, ou quase, que embala “Contra Fogo”, o primeiro romance do paulista Pablo Casella. Analista ambiental por duas décadas na região que retrata na ficção, Casella valeu-se, e muito, da própria vivência pessoal para escrever a obra.
O livro é um dos lançamentos anunciados pela Editora Todavia para o mês de março e marca pela forte oralidade de sua linguagem para ir fundo no tema urgente da crise climática.
OS PERSONAGENS
Cunga, Zia, Trote, Jotão, Adobim, Firóso e Abner, mais o cachorro Mutuca, são alguns dos voluntários chefiados por Deja. Eles aprenderam a combater o fogo na marra, metendo-se nas matas por dias e dias, sem descanso, munidos apenas de abafadores, espécie de “tapetes” de borracha, e de bombas-costais, mochilas equipadas com mangueiras para esguichar água.
Cada qual expande ao seu modo esse universo peculiar, mas é a visão de Deja, o líder, narrador em primeira pessoa, que torna tudo complexo e vivo. Sua expressão concisa e espontânea reflete o homem que é: brusco, simples, mas muito sensível à vastidão e aos detalhes de seu mundo. Um mundo em que a palavra falada é soberana.
Embrenhado nas serras por longos períodos, Deja padece a aflição de equilibrar sua meta desmedida de combater incêndios com os compromissos cotidianos e familiares, buscando na natureza a mediação entre a realidade prática e uma metafísica de certos fantasmas do passado que só tomam forma na dança das labaredas.
“LIVRO NOTÁVEL”
“Há décadas brigadistas voluntários combatem incêndios na Chapada Diamantina e em outras regiões brasileiras, mas seu empenho continuado é pouco conhecido, mesmo em tempos de emergência climática. Construído com linguajar local perfeitamente calibrado e um profundo conhecimento do tema e do cenário, o romance ‘Contra Fogo’ mobiliza todos os poderes da prosa de ficção para nos engolfar nesse universo.
A narrativa destrói e fecunda, repele e atrai, como o dragão de fogo que insiste em pousar nas serras inóspitas”. Quem afirma é o escritor paulistano Daniel Galera (“O Deus das Avencas”, “Cordilheira” e “Barba Ensopada de Sangue”), um dos convidados que marcou presença na última edição da Festa Literária de Bonito, em julho de 2023.
“No centro estão vidas comuns em sua instável busca de afeto e sentido, cativantes e sombrias na mesma medida, ardendo em continuidade com o ambiente em que vivem. Pablo Casella é um talento que estreia na literatura nacional como um ‘vento parido pelo sol’, para usar uma imagem retirada deste livro notável”, completa.
O AUTOR
Pablo L. C. Casella nasceu em Guaratinguetá (SP), em 1978. Formado pela Universidade de São Paulo (USP), Casella atua como analista ambiental no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, onde, de 2002 a 2022, fez parte da equipe gestora do Parque Nacional da Chapada Diamantina, na Bahia.
Com informações do site Correio do Estado.